terça-feira

IV - Pelos ovos com bacon

Em todos os tempos, em todos os lugares uma faísca era garantida e constante: um conflito estava no seu momento mais delicado, mais furioso. Esse é o momento. Essa é a hora métrica. Nesse momento uma banda nova lança seu primeiro disco. No mesmo momento em que deve ter algum filho de gravidez de risco nascendo, um amontoado de gente da arte tentando fazer algum trabalho que valha, alguma invasão da polícia em algum morro, algum cara jovem que tem filhos e que está desempregado. E tantos outros não-pais pais que nunca sabem como vai ser o dia de trabalho, os que trabalham na rua. A rua tem sido a maior garantia e o maior perigo de tanta gente que talvez esteja na hora de colocá-la no cerne da questão.
Ouvinte do interior: a rua é um ponteiro da hora métrica. E o outro significado que a rua tem, o caminho, é o outro ponteiro. E é nesse meio dia exato, ponteiro da rua com ponteiro do caminho juntos na mesma marca, que se desenrola o conflito. O conflito mais delicado e furioso do momento mais esperado e exato desse segundo: Qual será o caminho dos que estão à rua?
Nós somos trabalhadores dela. Os que levam teatro, poesia e música pras ruas do Rio. Ponteiro um encontrado. Aí dá-lhe nuances e seduções do asfalto, e de onde o asfalto acaba também. Dá-lhe a falta de palco, de arena, que se houvesse, ia ter muita gente que continuaria ainda no palco-asfalto. Entram na conta dos regimentos inimigos todos os barões da arte do gabinete, todos os fazendeiros expropriados que insistem que a senzala ainda pode melhorar pro seu lado. Todos os mimos que ganhou a arte ocidental desde o renascimento entram. Todos os detentores desses códigos artísticos também entram tentando abocanhar o que ainda resta de seu num mundo que já é outro e que já os engoliu sem que eles mesmo percebessem.
Entra no caminho do artista da rua compreender aonde é que entra a tal da vanguarda. Termo corda do relógio da hora métrica. – Ah, mas esse papo de vanguarda é uma conversinha já velha, já é velho trazer o novo na nossa história. – Vir com essa é mole pra quem não viu a geração anterior. Para quem não sabe em que mecanismos lógicos e simbólicos se baseou a arte anterior pra se formular e pensar a si própria.
E a hora métrica tem disso: tem arte na rua, tem uma geração que nem a mesma língua e nem os mesmos símbolos usa em relação à geração que a precedeu. Entonces: volto ao já dito, ponteiros juntos, arte na rua. Entonces ponteiros juntos: arte de rua na rua para a rua. Derretam os cristais dos gabinetes, e que insurjam os capatazes que ainda acreditam nos fazendeiros da arte.

5 comentários:

Anônimo disse...

É isso aí! arte na rua!!
Gostei do "relógio da hora métrica"!!
Achei que está bem diferente dos seus textos. Tudo certinho, na hora certa! rs..

Victor Meira disse...

Legal rapaz.
Quero conversar com isso em prosa.

Toca a rua aí.
Meu relógio é digital.

Um beijo!

Rachel Souza disse...

Gostei. Derretam os gabinetes com os fazendeiros dentro!rs Sabe, o grande problema das instituições é sua naturaza de defesa, de proteção, segurança, garantia... O que é garantido na vida, meu caro? O que tem de seguro em viver? é um perigo que só!rs As instituições vêm do medo, da tentativa de segmentar e sedimentar.

Anônimo disse...

tenho tanta saudade....vi umas fotos suas quase chorei, sério. Quero vc por perto, energia que me liga à criatividade, ao fazer "arte", na velocidade da luz.

Isaac Frederico disse...

fala brodinho!

depois da ausência, demorou um tempo pra eu descobrir o novo endereço do blog.

e a pressão aumenta nessas novas linhas, mantenha o gardenal no bolso filho, graças a ganesh, sidarta, yeshua, maomé, selassié e a pluralidade inteira dessa turma sentada junta num boteco em medina, essas tuas novas linhas vão escaralhando a cabeça de geral, no melhor sentido que isso pode ter.
o fino da campanha !

crédito do desenho no cabeçalho: dos meses duro, nanquim sobre papel, 2010 Philippe Bacana