sexta-feira

Polêmica da rua

Para entender do que se trata a história leiam antes: www.oglobo.com/especiais/chatosporoficio/

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Esse texto será lido por amigos, colunistas e jornalistas da grande mídia e alternativa, artistas, movimentadores. Alguns me conhecem um tanto. Meu nome é Heyk, sou poeta, editor assistente, universitário, casado, migrante.
Ontem, quinta feira, dia 18 de dezembro de 2008, o jornal O Globo levou em caderno especial elaborado pelo programa de estágio do jornal a reportagem com o título: Chatos por ofício. Nela vendedores de cerveja na praia, agenciadores de empréstimo das praças, sambistas mambembes, chamadores de restaurante, artistas de rua, camelôs de ônibus foram postos homogeneizadamente como incômodo para a sociedade, os tais "chatos por ofício", como aponta o título.

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Venho particularmente me solidarizar com essas categorias profissionais (e que fique claro a legitimidade profissional de todas essas práticas) citadas ontem pelos estagiários d'O Globo. E venho principalmente colocar em questão e em xeque a finalidade e estrutura dessa reportagem, seus ideais de sociedade e seu teor descriminalizante, se não criminalizante, dos profissionais de que trataram.
Apontando esses trabalhadores como tediantes, irritantes e por vezes mentirosos e quase sempre pedintes insistentes, o jornal se detém em tirar da sociedade o problema de um mercado de trabalho inflado e carniceiro para atribuir à esses trabalhadores (efeitos dessa lógica), a culpa por sua posição. A reportagem trata a questão como um problema moral (de índole), quando ele o é no mínimo econômico, e sim político, social, ideológico no caso a que irei me ater aqui.

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Meus primeiros poemas datam de 1995, e desde então me dedico mais ou menos à poesia, sempre tendo-a como estandarte e totem. E foi quando conheci um dos cidadãos de quem o caderno especial tratou que tive certeza e argumentos internos para ser também um poeta de rua.
Falo de Léo Xisto, guitarrista e compositor da banda Na sala do sino, um dos que me mostraram que levar literatura de preço acessível a lugares públicos travava duas batalhas indispensáveis para nós: popularização da poesia e estar disposto a colocar em debate onde fosse a importância da arte, como militância e como sim motor de uma revolução lúdica - de uma mudança de paradigma através do prazer e jogo, da criação.

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Ao lado de Léo Xisto, estão outros, como Azulay (seu parceiro musical na banda e nos ônibus em que trabalham tocando músicas próprias e outras consagradas do repertório nacional), professor de bateria e percussionista do Cordão do bola preta; Guila Sarmento, exímio poeta de rua; Joannes Jesus, a cinco anos tocando violão pela cidade, compositor e músico - isso no contexto carioca e para ser muito breve, posto que só os poetas de rua na cidade passam dos vinte. Em São Paulo a poesia Maloqueirista - Caco Pontes, Berimba de Jesus, Pedro Tostes - dá o mesmo recado: literatura popular e debate aberto com quem passa por perto.
Esses artistas, eu e muitos outros, para além de seu papel artístico-político cumpre suas demandas financeiras com essa atividade. Vendem seu trabalho e pagam suas contas. E esses mesmos artistas como representantes do gênero artista de rua, entraram na matéria de O Globo como inconvenientes, como pedintes, como desqualificados (a matéria refere-se ao repertório restrito dos músicos que citei, sendo que esses têm set list de duas horas de músicas autorais, como a própria repórter o viu num show da banda que acompanhou).

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E para além da visão de mundo que o jornal sustenta tão bem à tanto tempo (uma visão onde ou o pobre é um ser bom e desprovido de inteligência ou um criminoso), levanto ainda uma questão ética: a repórter que os entrevistou, entrevistou os músicos da banda Na sala do sino, os disse para fazer a reportagem que essa seria sobre movimento artístico, para alguns dias depois sem avisá-los do conteúdo que tomou o caderno especial, publicá-la com uma visão pejorativa da arte de rua, com uma defesa da lógica do conforto contra os que atrapalham a caminhada do cidadão pela cidade.

Mas a reportagem termina bem e a isso dou os parabéns. No seu desfecho põe como oposição a esses profissionais e exemplo de conduta correta ninguém mais ninguém menos que Antonio Carlos Magalhães Neto, o respeitoso coronelzinho do DEM ou seria do Demo. Mostra o parlamentar como um homem que reclama quando se sente incomodado, mas não reclama em qualquer lugar, mas sim o faz no parlamento, que seria segundo o caderno o lugar certo para se esbravejar. Em suma: digo que o desfecho é bom e é mesmo ótimo, porque o fato de estarmos todos nós, os camelôs da arte ou da arte de se virar nessa terra de ninguém que é o Rio de Janeiro, em oposição a ACM Neto já é motivo para grande alegria.

E novamente, O Globo deu show de conservadorismo, de ética duvidosa e acobertador dos verdadeiros problemas nacionais.

9 comentários:

Beatriz disse...

Grande centauro, salve1
buenas
soimos os chatos dos blogs, eles insistem em desqualificar o off stream . só rindo sorrindo.
Se saiu a matéria é sinal de que incomodamos. alinhada ao grupo, entre águas, compulsão diz não à visão de mundo.
Weltanschauung, visão de mundo, sempre são totalizantes.
Por isso, viva a diferença e os chatos na verdade são as possibilidades de furar essa cultura de mercado ditada por ele que se afoga em si mesmo.

cisc o z appa disse...

porra! caramba!
com a lógica que mto caracteriza a redação deste jornalão, a redação passou encomenda (bem recomendada e dada) pra tiurma dos estagiotas irem atrás de mais um processo do que se chama de "higienização urbana" e de supercolar rótulos (e como tais) preconceituosos na turma que rala rala na rua pra assegurar a comida na panela...
e, nem é necessário, citar que muitos da rua alcançaram outros vôos (a partir da rua) e sim que todos merecem ter seu espaço para fazer/inventar/trabalhar, sejam quem forem... todos merecem nossa solidariedade por se reinventarem diante de um modelo excludente que quer permanentemente nos enfiar guela abaixo a idéia ridícula de emprego...

gostei muito do textomento, evoé meu mais novo camarada!

Rachel Souza disse...

Heyk,
Desde o momento em que mandou l, no e-mail, pensei em formas de escrever sobre isso também. É fato que quem não está no meio, no centrão ou Mainstream, é considerado menos artista, quem expõe sua arte nas ruas não tem chancela ou porra alguma, só tem a si e isso pra quem é besta, não vale. Como bem disse Gramsci: "A imprensa é o mais sério e consequënte partido da burguesia".
Não me surpreende que "O Grobo" se posicione de tal forma, mas me entristece saber que cabeças em de-formação, universitários, pensem de tal forma e não consigam enxergar além do próprio pau, ou buceta.

Gaja disse...

Seu texto é necessário, concordo em tudo. Acho que isso é em parte a continuidade do racismo e elitismo da burguesia brasileira, mas também traz o cheiro do que está por vir. Serão esses os que vão botar na nossa conta a crise deles. E para isso, nada como criminalizar o desemprego e o sub-emprego. O pior é o humor utilizado que não dá pista de como essa leve comédia do cotidiano sustenta o apoio à polícia racista.
Sobre a "visão de mundo", acho que a questão aí não é ser contra qualquer visão, mas sim dar a nossa visão de mundo, dos vendedores, pagodeiros, poetas, garçonetes...

william disse...

Engrosso o coro do repúdio à postura execrável desta futura "jornalista".A matéria é superficial e elitista como já havia sido comentado por outros aqui. É a já conhecida mentalidade tacanha da nossa grande imprensa.

Anônimo disse...

pior que isso é uma coisa corriqueira nas publicações,tanto que as vezes o jornalista nem assina determinadas materias (como acontece na Veja)...

Fabiana Sanches Grecco Romanus disse...

k to indo pro rio.....preciso de casa

Caco Pontes disse...

há quem diga que seja mera ilusão, busca-se o oásis no meio do deserto e parece que já não é mais o que era antes...

Ah, quem diga!

CICAS disse...

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crédito do desenho no cabeçalho: dos meses duro, nanquim sobre papel, 2010 Philippe Bacana