quarta-feira

Leveza, ou Está a jogo ou a passeio?

Agora há pouco tava voltando da creche do Zoé. Comecei a sacar que a bike tava boa, rodando fácil. Saquei depois que na verdade era eu que tava dispostão, levinho. Entendi que devia ser porque ontem dei conta de uns pepinos, essa noite dormi bem, deu tudo certo de manhã aqui sozinho com o pequeno.Não era nada disso.
Eu tava sem mochila, sem nenhuma mochila. Sem relógio. Sem cadeirinha do Zoé, sem capacetinho, sem nenhuma sacolinha, sem a corrente da bicicleta atravessada nas costas. Eu tava só com os pedais embaixo dos pés. A sensação de leveza não era uma sensação. Era leveza mesmo, física. Menos peso envergando tudo. O que me deu uma sensação de leveza geral, de achar a vida boa. E foi só isso. Tirar um pouco do peso, quilos, das costas.Sou dessa moçada que leva até roupa extra dentro da mochila, geralmente enorme, com um guarda-chuva, com apagador, com uma posca que quase nunca uso, com um caderno médio, outro pequeno, cada um pra uma coisa. Um ou dois livros, dificilmente abertos no caminho, mas a esperança persiste. Sabem?
Aí me lembrei do Mukuka Xikrin, morador das terras afetadas por Belo Monte. Num debate que publicamos no Atual ele contava como foi a marcha para parar a construção da barragem: “Aí o pessoal, no dia 19, começou a arrumar as coisas, começou a pegar a farinha e sal, só isso. Índio quando vai pra guerra, não tem negócio de comer, não. Só come depois que ganhar a vitória.” Não levavam quase nada. Iam encostando e caçando, pescando, contou o Mukuka. Iam leves, e essa leveza não é nem paz nem fofura.
Depois me lembrei do Sergio Cohn – nunca vi de mochila – dizendo que nossa jornada é muito longa, muito difícil e que pra irmos com tudo que precisamos, deveríamos levar 80kg numa bolsa. Ele sacou que não daria pra ir muito longe, ou ia demorar. Entendeu que desses 80kg, tinha que escolher uns 20kg, imprescindíveis. O assunto com ele, numa conversa que já deve fazer uns três anos, era sobre bagagem... intelectual. Ele me explicava que tinha entendido que não daria pé ler tudo o que precisávamos, e elegeu coisas pra conhecer, essas foram levando pra outras, pra outras. Um quarto dos provimentos totais, aí sim, seguir caminho.

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crédito do desenho no cabeçalho: dos meses duro, nanquim sobre papel, 2010 Philippe Bacana