POEMAS SELECIONADOS

2014

Mar ruim

o paraíba
de ferrugem
intestinal
aparece à janela 
da poltrona 11
 na dutra

agora 
de espelhos
mineral
tem sono e me dá o braço seguirmos juntos

ele
que vai sobre as barragens
as leva consigo
toma por sereias suas moças
faz marinhos seus cavalos
logo abre os dedos
não me pode acompanhar


baixou a guarda posso ver
as pedras redondas às beiras
suas praias meninas

as pontes 
não levantam mais a saia
têm você nas solas
poça rasa paraíba

por amor
queimaram com ferrete no peito na cara
as ombradas que rugiu

sua testa caprina

o amarelo dos ipês e da mrs
é seu cortejo seus batedores
encontro nas curvas esperam você


mas as casas agradecem 
puderam furar os cascos
não flutuam mais

rio paraíba do sul
mãe do vale
perdeu o feminino alagadiço
não precisa mais parir
pode descansar

mas se chover
vejo você 
Boi Aríete matando

a fome



No bairro industrial  

No miro nunca la colmena solar,los renegridos panales del crimende sus ojos,los crisoles de saliva emponzoñadade sus fauces. Ni siquiera lo huelo,para que no me mate.Eduardo Lizalde

Me preocupa que haja um jaguar solto
diz Lizalde sem me olhar

digo o nome
e ele meneia uma das mãos
vira-se à janela
mas olha baixo
abaixo do para-peito        sua esquiva

não quer    ou dói     o nome

Está aqui e está bem mais
diz levantando-se
espera à porta que eu diga algo
de costas voltasse o rosto

Ele já desfez a casa
 e agora em seus vidros
diz coisas ao pasto
ao arame
aos pelos na cerca

Eduardo diz e parte
na calçada está mais em mim
e espera termos um mesmo pulso
os flamboyants os pés de manga queimados

rompemos o asfalto

chegamos ao pomar

Já não há laranjas
digo eu sei   e ele, que a culpa é do jaguar

deve ter dito a elas sobre as caixas os tratores o pouco preço e se 

foram
sim e digo que, mas não digo
ele aponta         e seguimos


não sei se suspeitamos
por segurança ou por capricho

para sairmos da cidade e se levaremos o jaguar tão moço

o bairro é tão o mesmo mas tudo nos diz chega
tudo nos diz volta
tudo está já dentro do diabo pintado
o jaguar nos engoliu o mapa

e nem sabemos se resistimos
certamente seguimos seus passos

         o amamos em segredo


2013

Loteamento

a casa perde as esperanças

levaram-lhe
as janelas

.....................................amigo a quem
.....................................no reencontro falta um olho
.....................................ou que enlouquece
.....................................e vive de bombons
.....................................num pano

......................................e quer se desculpar por isso

casa
ferro em maço
sonho
e
trincheira das crianças

já não há casamento
ou dinheiro
agora sabe

carniça
te desmontam de noite
perdeu as carenagens
sozinha onde outros tantos montes de areia

avisavam de outras casas

que não vieram

apressada e pioneira
levaram com marreta
as esquadrias

irmã manca que escondem
só queria ter mãos

para cobrir o rosto


2012

Densidade 45

No colchão
filtrado pela capa
ou sorvido em gotas puras
está 10 vezes meu volume

toda a imundície do mundo
acumulando gordura
no canto das coisas

5 anos de mofo e desleixo
5 anos de fervor
5 anos de medo

    - Levanta, Caroll, o colchão pra respirar
    - Vamos comprar um estrado
    - Temos que fazer outra capa

Mas não houve respiro ou estrado ou capa

ele apodreceu
verde sobre marrom
no nosso quarto chinês
seu piso frio e marrom

toda a umidade e samambaias e avencas
do muro de arrimo
em pedra
chupadas a mordidas pelo colchão
que era minha própria cabeça inflada
meus olhos sentidos


hoje
abaulado
no quarto de hóspedes
de pé
na parede
atrás da porta
falta um quina ao colchão

densidade 45 de espuma cinza escura
capa cinza clara
e um remendo cinza ainda mais claro
clareando de dentro em diante
em camadas
como se o tempo pintasse
em mãos alvas
algum envelhecimento
ou apagasse
cada vez mais branco
o amor



Autogiro 

Girávamos
Nos carrocéus vermelho e estéril
As orelhas dobradas
de papel pardo e barbante
e os embrulhos de palha empalhassem o povo

Nossos órgãos carregassem os dentes da mulher que canta,
até tornarmo-nos só eu.

E me restou o pescoço
cada vértebra
fundindo o ranço
agudo da medula privada de amor

o caminho
um pássaro minado
encerrando os bichos na burocracia da casa
apertando a carícia do peito contra a argamassa da língua

E me restaram os mistérios anônimos da literatura
tomaram o estado e fiquei com a mulher como
a Oswald restou A Morta

E me restou a losna, o boldo, o limão,

meu fígado de papel



2011

Viaduto da beneficência
curvo
de ser uma resposta lapidar para os vales,
o viaduto arfa

talhado [
seu calçamento polido nos pés dos transeuntes,
seus parapeitos baixos
.............], não é heroico,
é de menos medo

mas é curvo,
por não ser utópico, concreto armado


o viaduto da beneficência,
senil,
nos braços dos vergalhões,
é curvo,

doente de levar doentes
à encruzilhada íngreme
dos milhares de quartos portugueses de hospital


Agora
..................hoje não tem beleza nenhuma na casa
..................nem potência nos retalhos da carne

..................você perto
..................do outro lado da linha
..................mas vou de silêncio
..................[como gostaria de querer garantir nenhum pio]
..................engolindo
..................no cansaço do meu último pacote de cigarros
..................papel e fumo
..................me deixando seco e fosco por dentro

..................como, agora que nossos piercings se encaixariam
..................meu peito esticado de burrice
..................no seu peito rosa sem desejo
..................
..................agora que minha casa é casa
..................cabe você mil vezes
..................e tem lugar pras suas crenças nas revistas de decoração
..................
..................agora que eu estou sem um centavo, com cem quilos de coragem
..................e meus lençóis emprestados
..................pra me agradar fazem laços
..................no hexágono exato do quarto -
..................minhas coisas também têm complexo de viralata

..................como, agora que deixei a barba
..................tento arredondar uns quilos
..................juro bicicletas e exercícios

..................agora que o desespero já não é estilo
..................que me fartam tantos quantos te faltam os motivos

..................como, agora que já vão duas estações inteiras
..................de você esgotada na praça

..................como foi resolver me atender,
..................se desculpar frouxa na cara lavada
..................e tocar fresca o domingo?


2010

Escorpião chá
.............
.............no
.............não amor
..................escorpião chá
..................das calças curtas
..................trota largo
.......................seus gestos justos

.
..........e campeia nomes para si
.............cria seus pais
.....................ele é o outro
.............então não há

.
..........e por não querer ser pista
........................de seu motivo
..................andarilha mofo nas cidades
..................angaria rodas
..................e lambe fino o asfalto

.
....................o capus pra moto
..............engendra no calor
..................................a pele
..........as rodovias da pele
.
..........................[
...................a cada grão
.............mais casta de amor
..........mais velha em estribilhos
..........................]
..........ela craquelando no corpus
.....................................da estação
.
.............sua vida de seriado
..........................escorpião
.............peça em temporada

..........perfila e petala a não palavra
.............a que não quer
................ser pedra posta

.
....................um perfume
..........não silencia


Garimpeiro de alumínio

Peregrina e pasta
encurva fuça e acha
Revira e adorna a falange
no campo aberto de prata

Garimpeiro de alumínio peneirando lata

De sorriso mal vestido
Cada lapa uma serra pelada
Cada lapa sua serra pelada

Filho do tambor colorido
e do vestígio de vidro
Adestrando um futuro ancestral

Garimpeiro de alumínio peneirando lata

Arbustando o silêncio
do jardim de quem passa
Garimpeiro transparente
vira lixo com o lixo que caça

Imerso no chorume que come
Morre de micose
Pé atolado de cidade na idade da pedra
Seu mercúrio chega a galope


O cobre das pombas

O sol não podia mais
comia a gordura rápida
do alto planeta inteiro

uma calculadora praguejava
seus salários que não davam conta
na mesma sombra
onde passarinhos de capuz
limpam um jardim antigo

cavadores se fantasiam
e correm tubos de uma névoa grossa
sob o chão macio

guardas e xamãs
brigam por tabaco
e seus olhos pintados
não veem o ninho de cobre
onde a videira canta seu mantra

pombas marcham sobre a grama
e os piolhos das penas
alimentam o terreno
eles são à prova de seus planos
e fazem desse barro branco
o palanque para seu silêncio


2009

Escaravelho

.....................................escaravelho que valha a casca
..........................................carneiro com a lã já tecida
..........................cigarra rompendo as costas do ruído
.
......................................nada abate o sol que reina
............................nem aspira denso o asfalto gratuito
.
......................................mas algum florir ainda se espera
.................................a si
..............................como empilham favos os favos
..............................oitavados
...............................para serem
.................................vagos
....................................sua própria metalurgia
.
.......................................quanto é o enquanto?
.......................................quanto aguarda
.
.................................o pássaro pulmão de lata
.....................que desata a condição de guardião
...................................................................do limo?
..............................água e pedra que se fazem limo
.......................................escuras quão escuros são
.............................................do pássaro os poros
.................................em seu marrom de brilho




2008

Pétalasa


Pictogramas se alastram na derme da moeda
Verdades múltiplas na determinação do óbito

Naves espaciais nos tetos
Dos prédios de enxofre
A redenção vem com o
Cheddar o barbecue

São soldados que costuram emblemas
A preços módicos Nas armaduras
Novos Hamsés sem rosto
Nas colunas marrom-sangue

Império de algemas diluído no vento

A árvore borboleta soou grave

E a petalasa se descolou do seio

Felicidade bônus hora com desconto na galeria
Um milhão de pés ronda um pão doce

São presságios de uma estátua viva
Segurando um galão de gasolina

Gestos genéricos substituem sons
Cavalos mudos marchando para o abismo
E no consenso do concreto armado
Novos monumentos inauguram
A moral do dia


De dentro

E a lua corre solta nesse céu de brasa. Sua boca ainda mastiga alguma coisa minha e eu sinto um cheiro que provavelmente é seu. A sucessão do dia é de sono e sonho. Preciso de uma notícia desvairada. Corrijo o palavreado alheio pra poder ficar calado e amontoo moedinha pra pagar a toca onde durmo. Um chumaço de algodão gira no vinil que cambaleia. A luz é amarelada. Minha mobília é feita de caixa de fruta e eu continuo tendo uma escada no meio do meio que dá pro nada. Num jardim de inverno aqui perto eu conto as formigas que rasgam minha roseira. Meu violão máquina de escrever e jaqueta de couro mofaram. Varei dois cadernos e oitocentas personalidades no ano passado. Ralei o nariz nas ondas e entendi a dinâmica dos biquinis nas manhãs de quinta. Vi cinema mudo pra aprender inglês e vi mais o mundo num poema concreto do Vertov. A maquinaria dessa geleia funciona por conta própria meu amor. A poesia é uma mentira brava que inventaram nos anos 10 e agora eu me desligo na internet pra negar o iluminismo. O Brasil teve trinta homens e trinta e duas mulheres e não sei porque ainda não ficou deserto. E a roda gigante é só um jeito antigo de tocar o céu. A linha corre solta nesse paletó de palha. O metrô voa num arbusto de frutinha e eu nunca entendi nada dessa pelaiada que me cobre. A lenha corre solta nesse amor sem asa.


2007

De perto


Fiquei triste demais, aí pra largar disso resolvi correr. Corri muito, pra frente e pra esquerda. No chão, eu era uma diagonal no vento. Vi minha pele craquelar e fiquei com medo de envelhecer fugindo do triste. Transei várias vezes porque não sei tai chi chuan. E bem mais tranqüilo, sentei dias na banheira cheia não me incomodando com o tampão que me arranhava. Um anfíbio alheio às questões trabalhistas.
Saí dágua. Virei maracujá cinza mel. Vi que as cartas exigem táticas. Desliguei meu automático, preguei contra a academia e quis mudar meu cep. Quis ficar perto dos destinatários dos meus envelopes. Fui correr. Avião agora. Na poltrona, apertado, resolvi esquecer tudo o que errei, pra errar de novo noutro canto. Cheguei do ar. Me apeguei muito aos cachorros. Quando proibiram animais no circo fiquei bruto durante anos.
Depois a guerra acabou na Guiné. Pedi que costurassem as partes abertas do meu choro. E no último jardim de areia que sobrou fui ser uma diagonal no vento.

Um comentário:

Matheus José Mineiro disse...

parece um entalhador,tudo...aqueles artesoes mesmo.

crédito do desenho no cabeçalho: dos meses duro, nanquim sobre papel, 2010 Philippe Bacana