quinta-feira

De perto

Fiquei triste demais, aí pra largar disso resolvi correr. Corri muito, pra frente e pra esquerda. No chão, eu era uma diagonal no vento. Vi minha pele craquelar e fiquei com medo de envelhecer fugindo do triste. Transei várias vezes porque não sei tai chi chuan. E bem mais tranqüilo, sentei dias na banheira cheia não me incomodando com o tampão que me arranhava. Um anfíbio alheio às questões trabalhistas.
Saí dágua. Virei maracujá cinza mel. Vi que as cartas exigem táticas. Desliguei meu automático, preguei contra a academia e quis mudar meu cep. Quis ficar perto dos destinatários dos meus envelopes. Fui correr. Avião agora. No poltrona, apertado, resolvi esquecer tudo o que errei, pra errar de novo noutro canto. Cheguei do ar. Me apeguei muito aos cachorros. Quando proibiram animais no circo fiquei bruto durante anos.
Depois a guerra acabou na Guiné. Pedi que costurassem as partes abertas do meu choro. E no último jardim de areia que sobrou fui ser uma diagonal no vento.

4 comentários:

Anônimo disse...

angústia transfigurada em palavras, decodificada em bytes, transmitida em rede?!

Que o cansaço da corrida tenha tomado o lugar da dor...


um afago...

Sidineia Oliveira disse...

gostei daqui!


beijo de açucar no cê.

Anônimo disse...

achei esse texto bem mais pessoal do que os textos anteriores. pelo menos eu percebi muito mais sentimento. isso é o que eu destaco. mas da pra ver que nao foi tao espontaneo, muitas pausas, o que tambem é um estilo. sei la o capote usa um estilo assim, mas eu prefiro mais as coisas espontaneas, tipo garcia marquez, mas é coisa de gosto pessoal. ta mto bem escrito.

Philippe Bacana disse...

vou me expressar: o beijo ta uma gracinha.

ta tudo bom nesse texto. o primeiro paragrafo vc corre veloz de quase não ver as pernas se trocando; com obstaculos ou sem, as canelas devem doer a beça, mas nada que alguns hermetóxicos não faça passar.

essa parada de craquelar... da vontade de pintar.

beijo

crédito do desenho no cabeçalho: dos meses duro, nanquim sobre papel, 2010 Philippe Bacana