terça-feira

No canal

A tarde é quente
E o metal deságua
O tesão acumula
E a areia espalha
A mansão dá pra
Olhar de longe
No buraco da curva
Do braço do uniforme
Do preto calmo
Um bom dia
Três cusparada
Oito foda por mês
Arregimenta o lábio
Mundo à régua e ábaco
Essa tarde de grito morno
Inferno interno é
O brilho solto dos olhos mortos do menino com a boca aberta na calçada. Formiguinhas de beijinho ácido acenando pros carros fazendo a curva. As bolas de tênis racharam nas rodas do caminhão. O sinal abriu com o barulho do joelho raspando o chão. A boca já tava aberta. A formiga vinha no passo reto. Mas o urubu só come depois da desova. E a poeira turva o olho brilhoso. E vem a carne macia arrastar na grama. E boiar no canal.

10 comentários:

Isaac Frederico disse...

um poema que transita entre despertar no leitor emotividade e tecnocracia;
o final decide o jogo a favor da sensibilidade, de uma forma que não é direta mas é direta.

"toda revolução foi precedida por um colapso da linguagem" !

abraços eiquê

Victor Meira disse...

Legal, nego. Não grita muito, mas é gostoso. Gosto especialmente de "Mundo à régua e ábaco". Para duas lidas, é o verso mais bem construído. Gosto, acho lindo.

Saudade desse beijo de sal.

amelie disse...

só ví hj seu recado.
sou namorada do fabricio. te conheci no dia do sol lá no tempo gláuber com o zarvos. vc não deve se lembrar..
ou lembra? rs

Beatriz disse...

O sinal abriu com o barulho do joelho raspando o chão e meu coração sofre uma fratura exposta rsrs
Olha aqui: com essas cenas de significação você atinge regiões de texto surpreendentes.E eu sou formiguinha de beijinho;)

FlaM disse...

muito bom! (bem que a Bea disse que eu iria gostar!)
Belo o nome do blog também!
Prazer eu conhecer, Heyk, teu Canal e teus beijos de sal.
Beijos, de FlaM

Heyk disse...

engraçado: tenho a impressão que tem sempre um verso por poema que marca a virada, na força um verso, vira o tema, a construção e a sensação dele, sabe... aí esse verso é o "Mundo à régua e ábaco" que vc falou, victor.

william disse...

Dois momentos distintos e um corte brusco.A "tarde de grito morno" invadida pela cena indesejada do menino na calçada onde já ninguém repara e os carros continuam fazendo a curva. Misto de poema e prosa que se transforma a pedido dos fatos e dos desejos do poeta.

Heyk disse...

é isso mesmo, rapaz, falando nisso, eu gostei muito de uns troços que vc pôs lá no presença, pô, muito.

É isso mesmo.

A segunda parte (olha eu fazendo tudo perder a graça e desmistificando o papinho mole do dom) foi escrita primeiro, a primeira parte, logo depois.

Aí senti que tinha a ver as duas e só montei. Inacreditável como funcionou. Deu essa idéia de corte e achei super saboroso as leituras posteriores.

Enfim... ó eu... sei lá.

FlaM disse...

Noooossa! muito bom isso aqui também!
bj, f

FlaM disse...

Tb não, acho que esse é ainda melhor!
Adorei!
bj

crédito do desenho no cabeçalho: dos meses duro, nanquim sobre papel, 2010 Philippe Bacana