quarta-feira

A festa pode organizar a casa? | 2º encontro do Fórum Permanente de Cultura do Rio de Janeiro

foto: Bernardo Guerreiro (fonte: vermelho.org)


Você tem coragem de limpar a casa, deixar algumas janelas abertas e sair, mesmo desconfiando que chova ou da vinda de um vento forte? O pensador Gershom Scholem escreveu sobre essa brisa anárquica que inquieta os donos de casa tradicionais. Deixar a janela aberta é um jeito de estar sempre disposto ao inesperado, não sabemos o que pode trazer. É como ter sempre um princípio desorganizador nos nossos planos, deixar sempre a brecha para que algo imprevisto aconteça, colocar um pouco de jogo, de sorte nos nossos cálculos. O imprevisível, para Russel Jacoby, é um dos princípios de um tipo de utopia, a utopia antiprojetista, ela não quer dizer como será o futuro, mas quer estar de ouvidos atentos a ele, preparada e trabalhando para melhor recebê-lo.
Na última quinta-feira, 05 de março, aconteceu o 2º encontro do Fórum Permanente da Cultura do Rio de Janeiro, estavam presentes os responsáveis pela pasta da cultura dos três níveis de governo, além de secretários do Ministério da Cultura e do presidente da Funarte. Por volta das 19h horas, na Fundição Progresso, boa parte dos articuladores da cultura da cidade e da baixada fluminense já estava presente. Sorriam, se cumprimentavam e propunham coisas uns aos outros. A finalidade do Fórum é pensar uma programação cultural para os Jogos Olímpicos. Alguns planos como uma marca comum, o trabalho conjugado entre cidade, estado e União, e a programação estender-se para a região metropolitana do Rio foram encaminhados.
A quantidade de verba para esse calendário ainda é desconhecida. Haverá alguma, prometeu o Ministro Juca Ferreira, mas, assim como os secretários Eva Doris (estado) e Marcelo Calero (município), alertou a todos que não é o dinheiro que gostaríamos. Ainda assim Juca Ferreira afirmou que a cultura era um compromisso de todos os presentes e que teríamos que trabalhar, mesmo com poucos recursos, não dá para abandonar o barco.
Segundo Eva Doris Rosental, não será possível restaurar o antigo Museu do Índio até 2016, prédio histórico que recentemente se tornou um núcleo de resistência indígena, mobilizando agentes de diversos setores e movimentos sociais, a Aldeia Maracanã. O restauro não virá, mas Eva reconhece a importância do prédio, por que não virá então? Eva Doris ainda criticou os produtores e MC’s que acreditam que são as UPP’s que decidem a cultura da favela. A secretária acredita ser reducionismo imaginar que um programa de segurança pública possa definir os acontecimentos culturais das regiões mais carentes da cidade. Apesar disso, os agentes culturais ligados ao funk insistiram, e isso ser de conhecimento de todos, que a presença das UPP’s cerceou em muitos aspectos a vida cultural das comunidades carentes, principalmente no que se refere à realização dos bailes funk. Ao que a secretária de Cultura do Estado respondeu afirmando se quisesse proibir os bailes não faria editais para eles acontecerem, e que 15 bailes já foram liberados. Há outra coisa que devemos deixar anotada para cobrar a secretária no futuro, ela disse que o Museu da Maré não irá fechar, será? Estamos atentos.
A segurança pública foi tema da fala de agentes culturais que veem altos investimentos destinados às UPP’s, mas não para a cultura. Marcus Faustini, articulador da Agência de Redes da Juventude, apontou que um dos problemas das pastas da Cultura é a falta de investimento em projetos culturais, “se podem cortar direitos trabalhistas, porque não cortar gastos com consultoria? Precisamos de dinheiro injetado na ponta do processo da cultura”.
Será que um fórum permanente de cultura deveria ficar restrito à programação cultural dos Jogos Olímpicos? Será que essa grande iniciativa de mobilização dos agentes culturais do Rio de Janeiro (havia cerca de 300 pessoas no palco principal da Fundição Progresso) tem que se centrar em um evento que durará um mês? Internacionalizar a cultura é importante, mas focar nossos esforços literalmente para inglês ver deve ser a prioridade de tal mobilização? Voltando ao título, será que uma festa pode organizar uma casa? Talvez sim. Se a expectativa da programação cultural dos Jogos Olímpicos serviu para convocar o Fórum, devemos aproveitar esse aparelho para fazer discussões profundas e fazer exigências para que a cultura seja pensada de forma ampla, todos os meses, não só visando junho de 2016.
Nem a indústria do entretenimento nem a cultura voltada para eventos podem pautar a discussão de artistas, produtores, educadores, pensadores e do próprio Estado. As culturas populares, as culturas locais, as culturas de invenção e mesmo a cultura erudita é que têm que receber mais atenção, afinal são processos e não eventos, fazem parte da vida diária de muita gente, são a parte da cultura em que o mercado não manda (apesar de tentar), elas é que tem que ser prioridade do estado.
Quanto ao Fórum de Permanente de Cultura do Rio, vamos trabalhar para deixar as janelas dele abertas, quem sabe não passa um vento e sacode tudo? Uma festa pode organizar a casa? Talvez sim. Aqui em casa, por exemplo, limpamos tudo antes da festa, durante a festa o encontro renova nossos laços, e depois dela, os que ficam, limpam-na novamente e ela fica bonitinha para começarmos bem o dia seguinte, mas nunca fechamos as janelas.

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crédito do desenho no cabeçalho: dos meses duro, nanquim sobre papel, 2010 Philippe Bacana