sábado

Densidade 45


Densidade 45

No colchão
filtrado pela capa
ou sorvido em gotas puras
está 10 vezes meu volume

toda a imundície do mundo
acumulando gordura
no canto das coisas

5 anos de mofo e desleixo
5 anos de fervor
5 anos de medo

    - Levanta, Caroll, o colchão pra respirar
    - Vamos comprar um estrado
    - Temos que fazer outra capa

Mas não houve respiro ou estrado ou capa

ele apodreceu
verde sobre marrom
no nosso quarto chinês
seu piso frio e marrom

toda a umidade e samambaias e avencas
do muro de arrimo
em pedra
chupadas a mordidas pelo colchão
que era minha própria cabeça inflada
meus olhos sentidos


hoje
abaulado
no quarto de hóspedes
de pé
na parede
atrás da porta
falta um quina ao colchão

densidade 45 de espuma cinza escura
capa cinza clara
e um remendo cinza ainda mais claro
clareando de dentro em diante
em camadas
como se o tempo pintasse
em mãos alvas
algum envelhecimento
ou apagasse
cada vez mais branco
o amor

3 comentários:

l u a . disse...

hoje a insônia me pegou e resolvi procurar um texto antigo, do blog ainda atual. achei um comentário teu, me perguntei porque eu nunca mais tinha voltado aqui.
e então eu voltei.
li.
me senti remexida dentro.
(como quem tem que se livrar de um colchão mofado, mas dorme nele ainda pelas lembranças das noites.)

Rafa Carvalho disse...

lindo, humanamente!

e lindamente humano, aliás!

...como se as coisas sem vida pudessem viver...

...como se as pessoas com vida pudessem nem tanto...

abraços de cá,
mano!

Victor Meira disse...

Triste, triste...

Gosto bastante, Heyk.

crédito do desenho no cabeçalho: dos meses duro, nanquim sobre papel, 2010 Philippe Bacana